Até sempre, recluso poeta
Herberto Helder partiu.
Amanhã haverá uma parafernália de gente a fazer fila à porta dos grandes livreiros em busca das suas obras. É curioso mas é sempre assim. É preciso morrer para ser dado o devido valor e crédito a um escritor. Pelo menos, aos que valem realmente a pena. Triste, essa realidade.
Admito que era um desconhecedor absoluto da obra de Herberto Helder. Uns meses atrás, uma amiga disse-me o seguinte...
- Sabes, fazes-me lembrar um poeta português... - disse.
- Improvável. Se existe algo que efectivamente sou incapaz de escrever, é poesia. - retorqui.
- Conheces Herberto Helder? - questionou-me.
- Hum...Assim de repente, não me diz nada. Mas porque te faço lembrar ele?
- Vocês partilham algumas particularidades. A reclusão, o quase anonimato, o pouco gosto por registos fotográficos.
- Epá, já gosto mais dele e tudo...
Fiquei curioso. Dei por mim nas mãos com um exemplar emprestado de "Servidões". Emprestado, porque segundo o que vim a saber a posteriori, não foi lançada segunda edição por exigência expressa do autor. Li o livro em perfeito silêncio. Devorei cada palavra. E não me matou a fome. Pelo contrário, fiquei sequioso de mais. E eu não sou um particular adepto de poesia. Mas havia algo na maneira de escrever do Herberto que mudou algo em mim.
(…) farejo-te,
mordo-te a nuca, lambo,
e faminto me meto por ti adentro,
rebento os selos,
marco-te a fogo,
levíssima visita à minha sêca luz e arrebatada fome, (…)
Relembro que falamos de um homem que já havia completado 80 anos. Mas que escrevia com a leveza de uma brisa de Primavera.
O nosso património literário está a definhar lentamente. Perigosamente. E não vejo dignos representantes de empunhar o estandarte deixado por estes gentis gigantes. Reclusos por opção, anónimos por convicção , mas enormes.